Sem contingente, Maré Vermelha não fiscaliza e só traz prejuízos
Por : Gustavo Machado (colaborou Cristina Carvalho), Jornal “Brasil Econômico” 21/05/2012
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Há três anos sem concursos para fiscais aduaneiros, operação “padrão” apenas testa paciência de importadores
Operação padrão. É como empresários e pessoas ligadas à Receita Federal estão chamando a operação Maré Vermelha, deflagrada em março deste ano. De acordo com os depoimentos colhidos pela reportagem do BRASILECONÔMICO, existe uma inaptidão técnica e quantitativa nas aduanas brasileiras, ou seja, faltam fiscais, o que traz prejuízos aos importadores.
Desde então, produtos têxteis, ópticos e plásticos, calçados, brinquedos, eletroeletrônicos, máquinas e pneus passam por uma fiscalização mais rigorosa da Receita. Com a obrigatoriedade de passar por conferência física e análise da documentação, as cargas ficam retidas nos portos por mais de um mês. O volume de contêineres redirecionados para o canal vermelho da Receita aumentou em mais de cinco vezes e problemas com a estocagem das mercadorias começam a preocupar os importadores.
Segundo Moisés Hoyos, diretor do Sindicato dos Funcionários da Receita Federal, o pequeno contingente é o pior dos problemas que a operação evidenciou. Há três anos sem a realização de concursos públicos, a defasagem no número de funcionários já chega a 8 mil. “O que aconteceu foi apenas o aumento da conferência física. Não há uma análise de risco, com histórico das empresas. Se antes já não era possível fiscalizar de maneira minuciosa as possíveis fraudes nas importações, com a operação isso ficou completamente inviável”, declara Hoyos.
De acordo com o diretor, não há uma avaliação real dos principais crimes no comércio exterior: o subfaturamento e a prática de dumping — a comercialização de produtos por preços inferiores ao seu real valor de mercado. “Cada fiscal faz a conferência à sua maneira. É tudo muito subjetivo. Ambos os crimes são de difícil avaliação.”
Questionada, a Receita Federal afirma que a escassez de contingente afeta todos os órgãos que trabalham nas fronteiras brasileiras e concorda que a situação foi extremada pela operação. A expectativa é de que a aprovação da proposta do Adicional de Fronteira, que aumenta os salários de funcionários que trabalham nas regiões fronteiriças, melhore a situação das aduanas. “A Receita aguarda decisão do governo”, diz o órgão.
De acordo com o ex-secretário do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Ivan Ramalho, a operação foi uma surpresa. “O sistema sempre foi muito eficiente. A receita tinha alcançado uma redução de tempo no desembaraço, com modernização do processo. Isso atrapalha até mesmo a produção nacional, que depende muito das importações”, afirma Ramalho, que atualmente preside a Associação Brasileira das Empresas de Comércio Exterior (Abece).
Desestímulo
Gustavo Dedivitis, presidente da Associação Brasileira dos Importadores e Distribuidores de Bens de Consumo (Abcon), diz haver uma tendência do governo em retalhar importadores de produtos populares. “Sou favorável à fiscalização, mas isso é uma operação padrão. São milhões de produtos que estão parados nas aduanas de forma errada, porque eles não sabem fiscalizar. De um dia para outro, 70% dos contêineres passaram a ser encaminhados para o canal vermelho. Isso só beneficia contrabandistas.”
Os produtos contemplados na Maré Vermelha parecem ter sido escolhidos a dedo pela Receita. Nos últimos três anos, a importação das mercadorias abrangidas pela operação dobrou. “É uma salvaguarda branca, implícita. Isso es
tá fazendo com que importadores de oportunidade saiam do comércio internacional”, avalia Dedivitis.
Dois meses após deflagrada a Maré Vermelha, a Receita Federal ainda não possui qualquer relatório sobre os resultados da operação.
Custo aumenta em US$ 3 mil por lote, diz empresário
Importador de ferramentas reclama da retenção de cargas antes consideradas regulares
“Antes, 90% das minhas mercadorias passavam direto para o canal verde (eram liberadas). Agora, 80% estão retidas pela Maré Vermelha”. A declaração de Pedro Unger, diretor da Importadora Eda, evidencia o pouco critério adotado pela Receita Federal para fiscalizar os produtos contemplados na operação. No caso da Eda, dezenas de contêineres com ferramentas industriais estão à espera da liberação dos fiscais aduaneiros.
“O que me intriga é que a inteligência da Receita deve ter relatórios indicando as empresas fraudadoras. Agora, devido a essa restrição aos importadores, cheguei a ficar três semanas sem qualquer produto para vender para meus clientes. Foram contratos com varejistas e atacadistas que fui obrigado a deixar de cumprir”, reclama Unger.
O custo com o atraso, diz o empresário, chega a US$ 3 mil por contêiner parado no porto de Santos. “Quem importa já com o frete fechado pelo agente de carga tem um prejuízo ainda maior que o meu”, diz.
Segundo o consultor de Comércio Exterior, Vivaldo Cardoso Piraino, a operação trouxe preocupação a seus clientes. “O principal problema é a expectativa de liberação das mercadorias. Não é possível prever em quanto tempo as cargas serão liberadas”, avalia.
Contudo, diz Vivaldo, os empecilhos se restringem à demora na fiscalização pelos fiscais. “A liberação acaba acontecendo. Ainda não tive qualquer problema com retenção de cargas ou multas. Como alguns importadores têm um volume muito grande de carga, a espera para retirar a mercadoria traz complicações maiores. Alguns têm um frete fechado para 15 dias após o navio atracar no porto. Se passar disso, o importador paga a conta.”.